Com ele é ferro na boneca, neném!
Entrevista exclusiva à Nelson Rocha publicada na Tribuna da Bahia
No final da década de 60, o compositor e cantor Gilberto Gil foi à Rádio Cultura da Bahia, na época situada no nobre bairro da Graça, participar da Resenha do Meio-dia, programava esportivo comandado pelo líder de audiência do horário o radialista e comentarista França Teixeira. Com o violão debaixo do braço Gil, além de conversar sobre diversos assuntos, aproveitara a oportunidade para lançar a mais recente composição, intitulada “Aquele Abraço”, espécie de desabafo poético musical em tempo de regime militar. França não só o aplaudiu como passou a tocar nos programas seguintes aquela canção, gravada em rolo, e que virou sucesso antes mesmo do autor interpreta-la em disco.
O radialista Antonio França Teixeira iniciava a “Resenha do Meio-dia” executando o Hino do Senhor do Bonfim. O difícil era encontrar um rádio na cidade que não estivesse sintonizado no prefixo da Cultura, que no horário ecoava pelos quatro cantos da capital. “É ferro na boneca, minha cara e nobre família baiana!”, dizia em alto e bom som o comunicador que, certa vez, interpretando as peripécias de Zé Veneno, personagem misterioso, por demais crítico e carregado de humor, pos no ar a gravação de um cavalo a rinchar, enquanto bradava ser “o treino do Esporte Clube Bahia”, na época tendo como preparador técnico o musculoso técnico e professor Paulo Amaral. Antes de o programa acabar o treinador tricolor adentrou na emissora, bravo como um touro e disposto a partir pra mão grande com França. Foi um Deus nos acuda para deter o homem nos corredores da rádio. França se refugiou por trás de um largo sorriso e o episódio ficou por isso mesmo.
“Zé Veneno foi todo mundo. Bastava ter uma fofoca, um causo. Eu não sei como conseguia interpreta-lo. Você foi Zé Veneno. Alias dentre os meus primeiros meninos, todos Zés Venenos, estão Nelsinho Rocha, Serginho Boto, o Professor Doutor Paulo Roberto Roberto Sampaio, meu chefe, Cláudio Falcão, Migué, Bola de Gude, Pereira de Brito, Bouquinha, Parará, Caxixi, Gaguinho, espirituoso massagista do Vitória. Outros tantos esbugueladores...”, explica para o repórter que integrou a sua gloriosa equipe e que, hoje, tem o prazer de escrever sobre o ex-comandante ou se deliciar com suas criativas crônicas na nossa Tribuna da Bahia. “As estórias do rádio foram tantas que precisaríamos de pelo menos dez edições da Tribuna, creia”, enfatizou.
Antônio França Teixeira nasceu na Ladeira no Funil, 28, no Barbalho. A ladeira permanece, mas a casa já não mais existe. “Na Liberdade cheguei aos oito, talvez nove anos. Fiquei praticamente o resto por lá. Tinha apartamento no Largo Dois de Julho, bem situado. Mas a Liberdade, um charme irresistível. Ali estavam meus amigos de adolescência, meus primeiros amores, minha confiança. Voltava lá todos os dias e noites. Acabou o charme. Lembro todas as horas dos mistérios e encantos”, recorda.
Dono de estilo inconfundível ao microfone, França Teixeira foi um vanguardista da comunicação, inclusive na televisão. “O nosso programa na TV foi o primeiro talk show do Brasil. Não é máscara nem presunção, longe de mim. Mas foi assim...França Teixeira Profissão Repórter tem uma histórica fantástica. Infelizmente o espaço não dá pra contar. A Globo patenteou o Profissão Repórter, e eu ganho o que Inês ganhou na roça. Tem muito mais”, diz, sem contudo entrar em detalhes, para depois revelar-se notívago e abrir literalmente alguma das páginas do passado.
“Fui, sou e serei. Produzo melhor à noite. Andava livre nas ruas, no mangue, mercados, altos e baixos. Romântico irrecuperável. Habitué da Gameleira ( Edson e Aloísio – Não deixe o samba morrer), Esmeralda, Oscarzinho, João da Matança, Simara casou com Albertino, goleiro do Vitória – devem viver no México. Maria da Vovó, China, Churrascaria Ide. Tudo de prima. Atendimento da melhor qualidade, inacreditável se comparados aos de hoje. Ali vi muitas noites, na roda, Mário Kertesz e Nilo Coelho. Não era rico como eles, mas ia de ousado. Monte Carlo de Tabaréu do Sax, sensacional. Sem aids, sem fumo, o álcool era Nevinha, paixão de tantos. E lá vai bala Dona Tidinha...Cuba Libre supria: Muita gente ia num baseado. Nunca gostei de fumo, meus pulmões, coração estão invictos, para contrariar o fígado baleado. Bebia. Era o que a grana dava, um cuba, uma caipirosca...”, relato em estilo próprio.
Apesar de ter concluído o curso de Direito, França, hoje Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, não se considera advogado. “A faculdade foi, chamemos assim, um incidente de percurso. Abomino a expressão Bacharel. Prefiro auto-intitular-me ex-aluno. Dr. Jayme Guimarães, este sim é ADVOGADO, letras maiúsculas, luminosas, respeitado, Senhores por favo, ficava puto comigo quando ouvia o bicho falando besteiras no Rádio...”. Rádio que o projetou para a televisão, onde não visualiza grandes comunicadores “ excetuando Fausto Silva, admirado amigo de Perdidos na Noite. Ganha cinco milhões de reais para interpretar o Faustão vai fazer o que? O Perdidos nunca lhe pagaria isso. Um dia ele volta a faze-lo...Osmar Santos, que pena! Que pena! Fazia um rádio cópia do meu e assumia. Ripa na chulipa é Ferro na boneca..sem tirar nem pôr...Excetuando estes e talvez o excelente entrevistador Ronie Von (Rede Gazeta). Os comunicadores baianos com agá são bem melhores que os brasileiros”, sentenciou.
Torcedor confesso do Ypiranga, time que “só dá satisfação. Não ganha, não perde, não empata. Alegria Pura”, França se diz um excluído digital. “Envelheci e tomei medo das máquinas. Elas sofisticam-se, crescem, viram bichos e comem os homens. Vejam o Air Bus. O homem perdeu o controle. Deus me defenda. Um dia essa póla vai explodir. Tomara que não, mas quem for vivo verá. Minhas filhas morrem de vergonha, com estas colocações...”.
O bate-bola com França não poderia deixar de abordar a Copa do Mundo de 2014. “ É falácia. Um grande equívoco. Engana otário”, responde como que chutando de primeira. “Primeiro: Qual a chave que a Bahia vai sediar? Os integrantes desta chave? Estônia? Costa do Marfim? Nigéria? Tunísia? Me façam uma garapa...Esperemos o sorteio e os classificatórios”. Pede tempo, mas não deixa a peteca cair no chão e toca a bola pra frente: “Abaixo Ricardo, repetindo o ex-sogro, Havelange em tudo. Proprietário dos calendários, datas e jogos da seleção. Por que tiraram Giulite Coutinho? Lembram de Telê, de Telê, Sócrates, Zico, Falcão e alguns outros da seleção que encantou o mundo em 1982, 1986? Ah! Não ganhou. Mas jogou e mudou o futebol no mundo”.
Narrador, comentarista, filósofo do futebol, França deita e rola quando uma conversa envolve o planeta bola. “Telê Santana, meu amigo comentarista convidado nos jogos transmitidos aqui, alguns no Rio, Sampa, BêAgá, não tinha papas na língua. Quando tinha que dizer dizia. Ouvi uma vez referir-se a uma estrela do São Paulo começando a ganhar a merreca: Este merda não tem dinheiro pra comprar uma garagem e já tem um Mercedes, modelo do ano. Guarda na casa da senhora mãe dele. Na rua. Este é o Telê que demitiram com o Giulite...”. E não para por aí quando abre o verbo focado no mágico mundo da redonda. “Jogador atuando no exterior, o maior e melhor craque, não pode e não deve jogar na seleção, sequer ser convidado. Assim, acabaremos os Afonsos e tantos outros. Melhoraremos o nível interno do nosso futebol. Abaixo as negociatas...Futebol sadio para os que estão aqui e sofrem, iguais, as vicissitudes, necessidades da vida brasileira. Ai você verá Vitória, Bahia nas cabeças e até o Ypiranga...Jogou fora tá fora. Minha tese é esta. Basta de usar a gloriosa seleção do Brasil para vender ou negociar bagulho. Seleção Brasileira, às vezes apenas com um jogador registrado, atuando no Brasil, torço para perder. Não tem amarelinha que me conduza a pensar diferente”.
Observação de política partidária França não pode fazer. “Sou impedido de falar. Não posso mais ser votado, embora vote. Uso o voto com cuidado e consciência. Este é o apelo. Não se intimidem com as urnas. Pensem. Lamento muito, mas é a lei”, justifica quando questionado se pensou, quando da campanha do ex-prefeito também radialista Fernando José, candidatar-se à prefeitura de Salvador. “O candidato na época era França. A vez dele, França Teixeira, Mário Kertesz ( Prefeito). Pedro Irujo, bilardário. Gastou seis milhões de dólares em duas eleições. Queriam o meu nome, Ruy Bacelar também. Infelizmente, 02 de janeiro sofri um acidente terrível com vítima fatal. Desconfio muito, até hoje de uma sabotagem. O carro muito novo, rodou comigo na campanha 30 mil quilômetros. Saíra da revisão na véspera. Capotou numa estrada que não comportava, mesmo se eu fosse um pintacuda irresponsável, 50 quilômetros por hora. Transtornei-me. Tornei-me um monge trapista”, revela.
Respire fundo e continue acompanhando o que diz nesta entrevista exclusiva, este personagem histórico da comunicação baiana, caro leitor. “A Tribuna da Bahia não sabe o bem que me faz - o amigo e irmão queridíssimo Waltinho Pinheiro e o meu menino Paulinho Roberto – cedendo-me o espaço. Durante reservei-me. Silencioso, fora dos holofotes e das luzes. Saí consciente da vida política e não me arrependo. Estou a vinte anos no Tribunal de Contas do Estado. Posso aposentar, se quiser. Não se quiserem. Quanto à candidatura de Fernando, você me pergunta. Votei contra e disse a Mário e Pedro que o faria. Excelente comunicador. Daí a ser um bom prefeito a diferença, seria, como foi, muito grande. Inexperiente. Não tinha sequer estado no Legislativo. Votei em Virgildásio e fui embora, pra nunca mais voltar à política partidária”.
França Teixeira volta a falar de futebol. “Não contem com o velho aqui, favorável à demolição da Fonte Nova. Considero uma estupidez faze-lo”, diz quem tantos gols narrou da cabine de imprensa da velha Fonte. “Agride o patrimônio popular. Reforçar o anel superior, anexando ao comportamento, revisões periódicas públicas sim. Demolir para satisfazer ordens absurdas da tal FIFA – diz-se mais poderosa do que a ONU – na base do dá ou desce, jamais. O mundo mudou. Eles não sabem de nada. A atletismo é nobre. Tirar a pista dos atletas, pelo amor de Deus! Façam a Copa de acordo com as formulações procedimentais do país promotor. O receptor. Agora mesmo estão liquidando o que resta da África do Sul! Exigências absurdas e descabidas. Fui a algumas Copas. Prefiro mil vezes a televisão, pernas pra cima, replays, petiscos e lantejoulas sem agonias. Pipocas sem sal, amendoim e água gaseificada. O resto é perfumaria. Preservem o mais lindo conjunto esportivo do Brasil, quiçá do mundo. Estádio, ginásio e piscinas olímpicas juntos na plenitude do Centro da cidade. Privilégio único. Modernizar sim, demolir nunca. Respeitem as obras alheias. Arquitetos e engenheiros também são artistas. Estou escandalizado com as exigências absurdas feitas ao Governo para adaptar Pituaçu à partida Brasil e Chile. Jogam por acaso futebol diferente de Bahia e Vitória? O dinheiro é público...”. Como sempre, Antonio França Teixeira joga duro.
Parabens, Rochinha. Bola cheia e pra frente.
ResponderExcluirUm admirador
Caro Rochinha
ResponderExcluirQual era o partido de França teixeira nas eleições de 86.
Obrigado, Abraço