Não brinquei o carnaval. Trabalhei e observei a folia. Reservei 48 horas dos últimos seis dias para ir ao Circuito do Centro da Cidade, o da homenagem ao velho Osmar, que há 60 anos iniciou uma farra tocando “pau-elétrico” acompanhado por Dodô e amigos. Eles saíram numa Fubica eletrizada da cidade Baixa para a Alta no carnaval e a moda pegou. Hoje a idéia dos pioneiros Osmar e Dodô virou uma indústria geradora de som e riqueza. Como não brinquei a folia posso brincar com a imaginação e me colocar no lugar de um turista que cai literalmente de pára-quedas no referido circuito e, subitamente se vê envolvido pelos ritmos contagiantes das músicas que invadem ruas e avenidas da capital baiana.
A única coisa a fazer de melhor é seguir a multidão, pois não dá mais para controlar o corpo, rendido ao balanço transmitido pelo potente som do trio elétrico do século XXI que está prestes a voar. A musicalidade e o sorriso do povo baiano encantam o visitante. A democracia musical exercida no ano em que foram comemorados os 25 anos da Axé-music – Viva, o revolucionário Luiz Caldas - ganhou o turista que não fala português, tem medo de ser assaltado, mas que nem por isso deixou de dançar o Reboletion, o maior sucesso do carnaval de Salvador, cuja letra repetitiva, pouco diferença faz se não for compreendida.
Depois de encarar mais um trio na avenida, o estrangeiro aqui procura um sanitário público e acha um beco com longas filas num ambiente de total fedentina. O jeito é buscar um restaurante numa rua paralela onde encontro acolhimento e banheiro quase que limpo, mas o ideal para tirar a água do joelho. A Bahia reserva boas surpresas aos visitantes.
Após encarar essa maratona me restam mais algumas horas de observação da diversidade cultural da cidade expressa através de grupos de samba, pagode, afoxé, ijexá, reggae, Timbalada, Olodum, Armandinho, tudo democraticamente num único espaço transformado num grande salão de baile ao ar livre, animado pelo suingue contagiante da nação musical baiana, que insiste em cantar refrões de assustarem até o Lobo Mau.
A fome leva-me a desejar comer algo da cidade, e ponho-me a caminhar entre a multidão desvairada de baianos filmada pela polícia, que tenta oferecer proteção e limpar o salão dos brigões. Os hot-dogs das esquinas não me atraem, nem os raros tabuleiros de baianas que encontro pelo caminho. No Campo Grande deparo-me com um cardápio variado e pesado puxado pela tradicional feijoada, mas felizmente com opções de saladas e massas. Os sabores da Bahia têm mistérios e logo o estrangeiro pretende retornar aos aposentos. Se chegar ao circuito já foi complicado, mesmo de taxi, ensaiar uma saída de ônibus é uma opção que só deve ser recomendada aos nativos. Outro taxi, agora para escapar do caldeirão cultural efervescente do carnaval da Bahia, que no dia seguinte me desperta para outra jornada com os mesmo ingredientes, banhando-me de sol e convidando-me para a festa.
A programação começaria com uma esticada até a Mudança do Garcia, que reservava momentos de protestos e alegria. Assim fica difícil não gostar da Bahia. O turista despede-se da cidade na quarta-feira de cinzas, mas antes participa do arrastão no circuito Dodô, Barra-Ondina, comandado por Carlinhos Brown. No ano que vem pretende retornar para passar pelos mesmos transtornos e momentos gratificantes para quem busca a folia, porém com mais dinheiro no bolso para poder passar, ao menos uma noite, no metro quadrado mais disputado do carnaval baiano, onde se desfruta de comes e bebes e mordomia, os camarotes freqüentados por endinheirados e celebridades. Se mudar de idéia, optará por outro destino baiano e irá ao encontro da calmaria na Chapada Diamantina.
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